Burke e Hare

Hoje, eu vou contar a história dos serial killers mais famosos da Escócia. Para entendê-la, é preciso antes explicar que, no século XIX, Edimburgo estava se tornando um dos maiores centros de estudos médicos da Europa. O campo da anatomia estava a todo vapor.

Cena do filme “Burke and Hare”

O problema era que, segundo a lei escocesa da época, apenas corpos de prisioneiros, suicidas e não-identificados podiam ser usados para dissecação e estudo. E esses não eram suficientes para atender a demanda. Surgiu então uma nova profissão: a dos “ressurreicionistas”, que desenterravam corpos “frescos” dos cemitérios para vendê-los ilegalmente para os professores e pesquisadores da universidade. O preço pago por corpo dependia da estação, mas variava entre 7 e 10 libras (o que, na época, era um dinheirão!). 

Ressurreicionistas

Familiares passaram a usar de artifícios para tentar evitar que os corpos de seus entes queridos fossem roubados. Nos cemitérios de Edimburgo, se vê indícios dessas estratégias: torres de observação para vigiar, e grades ao redor dos túmulos.  

Torre de vigilância, no cemitério.
Grades de ferro ao redor do túmulo.

Isso tornou o roubo de corpos mais difícil, fazendo com que eles se tornassem ainda mais valiosos… qualquer um com leve conhecimento de leis econômicas já está adivinhando no que isso vai dar. 

Na mesma época, dois imigrantes irlandeses, xarás e muito amigos, William Burke e William Hare, conhecidos como Burke e Hare, moravam em Edimburgo, em uma pensão perto do Grassmarket, que pertencia à Hare.

Burke e Hare

Em dezembro de 1827, um dos locatários, um senhor conhecido como Old Donald, foi encontrado morto em seu quarto da pensão. Ele devia £4 de aluguel a Hare. Talvez Burke tenha dado a ideia de como resolver essa dívida. Os amigos venderam o corpo do velhinho para um professor da universidade chamado Robert Knox, que pagou £7.10 pelo corpo do Old Donald. Foi um bom negócio. E foi tão fácil que, meses depois, quando outro locatário, Joseph, ficou doente, Burke e Hare coçaram seus queixos de ansiedade. Mas o homem estava demorando a morrer, então eles ofereceram “ajuda”. Visitaram o enfermo, fizeram-no beber uma quantidade enorme de whisky e então o sufocaram. Descobriram que esse era um bom método, porque não “estragava” o corpo (quanto mais “inteiro”, mais valioso no mercado). 

O tempo passou e nenhum locatário ficou doente (que inconvenientes…). Burke e Hare desenvolveram uma nova estratégia: embebedavam as pessoas e as levavam para a pousada ou para becos escuros (abundantes em Edimburgo) e então as sufocavam. Eles mataram pelo menos 16 pessoas, ganhando entre £7 e £10 libras por cada corpo, mas dizem que pode ter sido bem mais, tanto o número de vítimas quanto o valor faturado. O professor Robert Knox comprava todos os corpos sem questionar. 

Eles foram ficando mais gananciosos e descuidados com os assassinatos, confiantes que não seriam pegos. Já matavam de qualquer jeito, sem muita preocupação, e até uma criança cega entrou para a lista de vítimas. Ensandecidos, começaram a matar os locatários, e obviamente as pessoas acabaram reparando que a tal pousada era um destino só de ida. Burke, Hare e suas esposas (que eram cúmplices) foram presos, e contaram histórias conflitantes, culpando um ao outro. 

A investigação policial chegou ao professor Knox, mas ele alegou não saber que os corpos tinham origem ilegal. Foi inocentado e, com a reputação arruinada na cidade, se mudou para Londres. 

A falta de provas palpáveis fez com que a polícia oferecesse à Hare uma espécie de “delação premiada”: ele seria inocentado se testemunhasse contra Burke. Ele aceitou sem pestanejar. Burke foi condenado à forca e à uma dissecação pública na Universidade de Edimburgo. Vários alunos pegaram pedaços do corpo como souvenir. Usaram sua pele pra encadernar livros e fizeram até uma carteira com ela, que ficou muito tempo exposta em uma vitrine de um antiquário em Edimburgo. O esqueleto de Burke ainda está em exposição no museu Surgeon’s Hall. 

Carteira feita com a pele de Burke

Hare foi liberado e fugiu para a Inglaterra, e depois disso ninguém sabe o que aconteceu com ele. As mulheres foram inocentadas e também foram embora da Escócia. 

A história dos dois rendeu livros, filmes, um musical, e incentivou o Anatomy Act de 1832, que permitiu um acesso maior à cadáveres para médicos, professores e estudantes de anatomia, autorizando a doação legal de corpos para a ciência. Chegou ao fim a era dos ressurreicionistas e contrabandistas de cadáveres.

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  1. Daiane

    Interessante! A partir disso que se iniciou a doação legal de orgãos?

  2. Ana Cristina de Oliveira Nobre

    Tentando lembrar de uma série que assisti na Netflix sobre isso

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