Confusões sobre pertencimento

Quando nos mudamos para o vilarejo onde moramos agora, o Pedro tinha 3 anos. Ele dizia para as professoras e coleguinhas que era de “Edimbra” (Edinburgh, pronunciado como um local). Justo, havíamos mesmo vindo de lá, onde moramos por um tempo. E, embora eu explicasse, ele não tinha muita noção do que era o Brasil.

Aos 4 anos de idade, ele veio me contar sobre um coleguinha novo: 

“O Santiago nos contou que o pai dele é do Chile! Isso não é incrível?!!”, me disse, empolgado. 

“Mas, Pedro, e nós somos do Brasil, que é do lado do Chile, isso não é legal também? Você pode contar isso pra eles, que você é do Brasil”.

Ele não se impressionou:

“É… mas o Brasil fica na Escócia….”

“Não, Pedro. A Escócia fica na Escócia e o Brasil fica no Brasil” 

“Yeah…. mas a gente também chama de Escócia….” (em tom de quem está achando meu argumento nonsense)

Aí desisti.

Ainda aos 4, depois de assistir o filme da Moana, ele veio reclamar:

“Não é justo! A Moana atravessou o oceano e foi para uma ilha, eu também quero fazer isso!”

“Mas você fez isso! Olha só: você nasceu no Brasil, atravessou o oceano de avião e veio para uma ilha, porque a Escócia fica em uma ilha!”

“Nénnn… a Escócia é um planeta…”

Agora, aos 6 anos de idade, depois de eu muito explicar que ele nasceu no Brasil, em Florianópolis (nome complicado, ainda), e mostrar no mapa “olha só, é uma ilha, que legal….”, ele já assimilou que é de outro país e começa a perceber que isso é interessante. Outro dia, na escola, estavam falando de países e pediram pra ele falar algo do Brasil. Ele ficou contente e contou pra eles que: “No Brasil é tão quente que a minha vó diz que tem um sol pra cada pessoa.” 

Às vezes ainda acontece certa confusão. Outro dia ele falou que era de Edimburgo, mas aí, bem rápido, corrigiu: “Não, eu sou do Brasil, de Florianópolis.” E olhou pra mim com orgulho. 

Porque ele até pode se sentir escocês, mas eu não vou deixar ele esquecer que, naquela manhã quente de outubro, quando o meu pequeno sol nasceu, nós estávamos em Florianópolis. E ainda quero contar e mostrar muitas coisas pra ele, pra que ele siga achando que ser do Brasil pode ser – quase – tão legal quanto o pai do Santiago ser do Chile. 

Mais alguém com filhotinhos multinacionais confusos?

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  1. Oi, tudo bem? Meu filho tem 3 anos e nasceu em São Paulo na capital. O pai dele é americano da Pensilvania e eu brasileira. Ele diz que é brasileiro paulista da Pensilvania e confunde muito as palavras, mesmo que nunca tenha ainda ido no país do pai dele. Ele é cidadão americano e fala inglês até melhor que o português, em parte pela convivencia com o pai e os outros irmãos dele que são americanos, além dos grandparents. Adorei seu texto.

    • Anelise

      Oi Dorinha, que legal, a confusão é bem normal mesmo. O importante é você continuar falando em português com ele o máximo que puder. Logo, logo, ele fica mais fluente, e esse vai ser um presente enorme pra ele. Obrigada por ler e comentar!

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