Queridos leitores e queridas leitoras,
Primeiro, gostaria de me desculpar pela longa ausência. Este último semestre foi bastante puxado e não consegui arranjar tempo para escrever aqui – administração de tempo não é um dos meus fortes. Mas, como “tempo a gente não arranja, a gente cria”, criei e cá estou! E justo hoje, 21 de dezembro, que acordei na escuridão do dia mais curto do ano. Começou a ficar claro lá fora a partir das 8:30 hs, e esse sol tímido, que vem se escondendo atrás de nuvens na maior parte dos dias, vai começar a se despedir a partir das 3 da tarde. Os dias são mais curtos e mais escuros, e isso causa alterações de humor em muita gente. Compreensível. Eu não me sinto tão afetada assim, mas percebo uma moleza maior, sinto mais sono, e às vezes olho pra esse céu sempre cinza – que aprendi a gostar desde meus tempos em Seattle – e tento lembrar daquela cor azul intensa que ele tinha no verão. Minha mãe, que estava aqui no inverno passado, tinha apenas uma reclamação: “o sol começa a se pôr e vai batendo aquela fome de final de tarde, mas aí a gente olha o relógio e ainda são 3:30!” Ela está certa. O chá da tarde começa a parecer tarde demais, parece que esse jogo de luz e escuridão engana até o estômago, e aí haja disciplina pra não se jogar em comidas quentinhas dessa época.
Enfim, foi pra falar justamente desta época que apareci por aqui, pra contar como é o Natal na Escócia.
Uma curiosidade é que o Natal é relativamente novo por aqui. Digo relativamente porque celebrações ao redor desta data são muito, muito, muitooo antigas, e foram mudando e se adaptando com o tempo, mas o Natal, como festa cristã, foi “roubado” pelo Grinch escocês John Knox em meados do século 16. Para quem não conhece a referência, fica a dica do filme:
A Reforma proibiu qualquer tipo de festa ou celebração nesta época do ano. E os escoceses, não querendo abrir mão de uma boa festa (e das boas bebidas que sempre acompanham), transferiram todo seu furor festivo-celebratório para a semana seguinte, resultando em um Hogmanay pra ninguém botar defeito (leia sobre o Hogmanay aqui). O Natal só voltou a ser reconhecido como feriado público na Escócia em 1958, o que significa que, até então, era um dia normal para a maioria das pessoas, que provavelmente tinham que dormir cedo para trabalhar no dia 25. As pessoas mais velhas daqui me contam que sim, até haviam – discretos – enfeites, árvore decorada e tudo isso, mas as que celebrações se resumiam a um jantar em família com orações. Crianças até ganhavam algum “treat” especial, que podia ser doces ou pequenos brinquedos, mas os adultos raramente se presenteavam. Era tudo muito mais quieto e discreto.
Quanto às tradições antigas, elas estavam relacionadas ao solstício de inverno, o dia mais curto do ano. O fato de que a partir de hoje os dias vão ficar cada vez mais longos marca o fim simbólico da escuridão, o “renascimento” do sol, e isso tem sido celebrado desde que os humanos perceberam esse fenômeno natural. Quando tudo lá fora parece escuro e seco, faz sentido trazer o verde e a luz para dentro de casa, como um lembrete de que logo a estação muda e o verde e a vida retornarão (não-coincidentemente, na Páscoa, quando começa a primavera por aqui). A escuridão era combatida com a melhor fonte de luz da época: fogo. Eis também o porquê de tantos festivais de fogos – que também aconteciam no Natal, na época do Hogmanay.
O próprio “Yule Log”, que é uma sobremesa de Natal popular aqui, é uma representação dessas celebrações mais antigas e ligadas à natureza. “Yule” é o solstício de inverno, e “log” é tronco. O Yule log era um grande tronco que era escolhido para alimentar a lareira por todos os 12 dias de Yule (de 6 a 28 de dezembro, um período em que tinham que incentivar o sol a voltar com muita luz em forma de fogo e celebrações). E ele nunca podia ser completamente queimado porque parte dele deveria ser preservada para iniciar o fogo do Yule log do Natal seguinte. Hoje, quando obviamente a maioria das pessoas não tem como ficar indo na floresta cortar um grande tronco e carregá-lo até em casa, e o aquecimento a gás está por tudo, o Yule log é uma espécie de rocambole de chocolate que mal dura a própria véspera (nham-nham!), quem dirá 12 dias!
Mais pra frente, quando o Cristianismo chegou com tudo, as tradições pagãs foram incorporadas às cristãs. Os celtas cristãos chamavam o Natal de “Nollaig Beag” – pequeno Natal, e já o celebravam como sendo o nascimento de Jesus. Na Éscócia, existia o costume da “Oidche Choinnle” – Noite das Velas – que eram deixadas nas janelas para iluminar os caminhos. Isso ainda é muito comum, e velas nas janelas ainda são um dos principais enfeites desta época. Também fazia-se o Yule Bread, um pão em forma de tronco com algum objeto dentro que traria sorte para quem o encontrasse em sua fatia. Na véspera de Natal, uma pessoa quebrava um ovo em um copo. O formato da clara determinava a profissão do futuro cônjuge (aqui percebemos uma espécie de simpatia pra Santo Antônio). O ovo era usado em um bolo, e se o bolo rachasse durante o cozimento, a pessoa teria má-sorte durante o ano seguinte. Ler a sorte para o ano em folhas de chá também era uma prática comum. A superstição de que a primeira pessoa que visita a casa vai determinar a sorte de todos era no Natal, e foi transferida para o Ano Novo por causa da proibição. O último dos 12 dias de Natal era celebrado com uma “Uphalieday party”, e os relatos de cerimônias e banquetes de Uphalieday na corte escocesa são numerosos.
Foi nessa época que surgiram também as mince pies, outra sobremesa tradicional de natal, uma espécie de tortinha de frutas secas. Os chefes dos clãs eram os responsáveis por preparar as mince pies da época, que, diferentemente das de hoje, levavam carnes, frutas, grãos, especiarias, e basicamente qualquer outra coisa que eles achassem na cozinha (nada como a praticidade de um homem rústico cozinhando!). Elas eram grandes o suficiente para alimentar todos os convidados.
Aí veio o Grinch escocês e proibiu as mince pies. Qualquer um que fosse pego com elas seria punido. Como resultado, as mince pies se tornaram pequeninhas, mais fáceis de esconder dos chatos-fiscais-do-Grinch. O Yule bread também foi proibido, bem como tudo mais que lembrasse a celebração do natal.
Hoje em dia, as tradições são basicamente as mesmas do resto da Grã-Bretanha e da maior parte do mundo. Início de dezembro, pipocam feirinhas de natal país afora. As de vilarejos costumam durar apenas um ou dois dias, mas as de Edimburgo e Glasgow vão até janeiro.
A maioria das pessoas que conheço prefere comprar um pinheiro todos os anos, ao invés de uma árvore de plástico. Acaba se tornando, para algumas famílias, uma tradição também, o dia de escolher, comprar e decorar a árvore.
O repertório da véspera de Natal costuma ser: brincadeiras e jogos e jantar em família, com comidas típicas como o peru, batatas, Yule log, mince pies, shortbread, e o Christmas Pudding. Este é feito com meses de antecedência. Conheço algumas vózinhas daqui que começam a fazer o pudding já em setembro, e depois os dão de presente, mas a maioria compra pronto (importante: o bolo tradicional leva whisky!!). Não podem faltar na mesa da ceia de Natal os crackers, que têm quase sempre uma coroa de papel e uma piada, e com mais diferentes brindes dentro, dependendo de qual cracker se compra.
Filmes de Natal também são muito populares nesta época, e um dos clássicos favoritos é o “The Snowman” que pode ser assistido por inteiro aqui:
Um famoso refrigerante daqui, o Irn-Bru, fez um comercial em que eles voam por lugares da Escócia, passando até pelo Lago Ness:
Antes de dormir, é costume colocar um lanchinho pra os visitantes da noite: cookies ou mince pies e leite para o Papai Noel e cenouras para as renas.
No dia seguinte, as pessoas abrem os presentes de Natal que foram deixados pelo Papai Noel embaixo da árvore. Ele também deixa pequenas coisas e doces dentro das meias, que são geralmente penduradas na lareira. As cookies geralmente amanhecem mordidas e as cenouras desaparecidas, porque se supões que o papai Noel levou-as para as renas comerem.
Tem também uma brincadeira nova que está virando tradição por aqui: a do Elf on the Shelf. É baseada em um livro de 2005, que vem acompanhado de um pequeno elfo de brinquedo. O livro conta que, entre o Thanksgiving (Noite de Ação de Graças) e a noite de Natal, o Papai Noel envia vários elfos para observar o comportamento das crianças. A mágica deles começa quando eles recebem um nome, que as crianças devem escolher. Aí os pais o colocam sentadinho em alguma estante e a única regra é que as crianças não podem tocar nele, senão ele perde a mágica. Todas as noites, enquanto as crianças dormem, eles voltam para o Polo Norte para fazer o relatório do dia para o Papai Noel, só que quando voltam eles acabam em outro lugar da casa. Isso se torna um jogo de esconde-esconde com as crianças, que acordam animadas pra procurar o elfo. Os pais também se divertem colocando o elfo em situações engraçadas, como as das fotos abaixo (nem sempre ele se comporta):
Essa brincadeira recebeu críticas de pais que acham negativo para as crianças se sentirem vigiadas pelo tal elfo o tempo todo, e que essa seria uma maneira ruim de condicionar bom-comportamento. Mas a maioria acha inofensivo e divertido, e por isso o elfo está cada dia mais popular. Aliás, mesmo os críticos hão de considerá-lo fichinha perto do temido ‘Crom Dubh na Nollaig’, que era o espírito cruel do Natal que assombrou o imaginário da ilha de Islay por séculos. Dizia a lenda que essa entidade monstruosa entrava pelas chaminés na noite de Natal e sequestrava as crianças que não se comportavam. Condicionamento positivo, alguém?
Merry Christmas!!
Martha
Feliz Natal e Boas Festas! Adoro tuas histórias!
Rita
Olá, Anelise!
Adoro seus textos e assim como os da Silvia me ajudaram muito a me preparar pra mudança aqui pra Aberdeen!
Estou ansiosa a conhecer mais sobre o país e queria saber como vc faz pra saber tanto! Hahaha
Sugere alg livro?
Grata, beijo
Anelise
Oi Rita!!!
Não sei bem como eu sei, hahahahaha, eu sou super curiosa e saio lendo tudo, me informo sobre os lugares que vou visitar, pesquiso a história, etcs. Acho que tem muito mais graça assim, sabendo de detalhes. É porque gosto mesmo! 🙂
Ficamos felizes de saber que ajudamos nos preparos, espero que você esteja gostando de Aberdeen.
Beijos!!
TERESINHA SALETE GOMES VAZ
Maravilhoso este texto – super instrutivo
Parabéns
Cosplay
Parabéns e o artigo esta perfeito e bem explicativo sobre o
assunto. Infelizmente tem poucos sites abordando sobre
esse assunto. Compartilhei no meu twitter e facebook.
Paulinha
Opa consegui achar a informação correta que estava
procurando. Infelizmente tem muita informação errada na
internet. Compartilhei no meu facebook. Obrigado.