Lilias Adie foi uma senhora vítima da caça às bruxas aqui na Escócia. Neste vídeo, eu contei um pouco da história dela:
As acusações contra Lilias surgiram quando algumas mulheres do vilarejo em que ela morava ficaram doentes ao mesmo tempo. Uma delas acusou Lilias, que foi imediatamente levada à presença do reverendo local, para confessar o seu crime. Apesar de ela ter alegado inocência, foi presa e interrogada todos os dias até, finalmente, “confessar”.
Eu expliquei na live sobre bruxaria na Escócia (vou postar o vídeo aqui, no blog, depois), que os escoceses se consideravam benevolentes e portanto a tortura por meio de dor física não era tão utilizada, mas eles torturavam de outras formas, e uma das mais comuns era deixar a suposta “bruxa” sem dormir por dias, o que certamente causava alucinações que deixavam as confissões muito mais coloridas.
Depois de mais de um mês trancada em uma sala escura, sem comida adequada, e sendo privada de sono, Lilias, que já tinha mais de 60 anos nesta época, “confessou” que tinha sim feito um pacto com o diabo. Sob interrogatório do reverendo, ela descreveu encontros carnais com o diabo, e contou que ele a havia feito renunciar seu batismo cristão. Lilias disse que a pele do diabo era muito clara e muito fria, e que seus pés pareciam patas de vaca.
É importante explicar aqui que, na época, o entendimento “intelectual” (isso mesmo, acreditem se puderem…) era de que os pactos que as bruxas faziam com o diabo quase sempre envolviam relação sexual com ele, e era durante essa relação que a “marca do diabo” era feita. Os estudiosos (!!) diziam que o demônio conseguia assumir uma forma física comprimindo o ar ao seu redor até que ficasse denso o suficiente. Mas, por se tratar de um corpo de ar comprimido, e portanto desprovido de circulação sanguínea, sua pele era sempre muito fria, quase gelada. Por isso, esse era um aspecto frequentemente mencionado pelas “bruxas” interrogadas sob tortura, porque elas sabiam que a pele do diabo era fria, e provavelmente buscavam dar a seus acusadores as respostas que eles queriam escutar.
Lilias confirmou que frequentava também encontros conjuntos com o demônio e com outras bruxas (provavelmente porque a fizeram dizer isso) mas se recusou a falar o nome de outras mulheres – que certamente seriam acusadas e presas junto com ela. Apesar de ser pressionada para nomear outras bruxas, Lilias disse que não sabia quem elas eram porque todas usavam máscaras em seus encontros diabólicos.
Como contei no vídeo acima, Lilias morreu antes de sua execução, depois de interrogatórios tortuosos prolongados e muita privação de sono e comida. O último registro nas minutas do seu caso, horas antes de sua morte, relata que Lilias estava muito fraca, com o olhar desaparecendo.
A convicção de que ela era mesmo uma bruxa e o medo que ela voltasse do mundo dos mortos era tanto que eles trancaram o caixão e colocaram uma pedra de meia tonelada por cima, ali, naquele lamaçal entre as marés, para que água também impossibilitasse sua saída.
Isso não impediu que, em 1852, ladrões de tumbas (muito comuns na época) cavassem e conseguissem quebrar seu caixão e roubar seu crânio e mais alguns ossos, para vender depois para um colecionador (um crânio de uma bruxa era algo macabramente valioso, na época). Em 1904, foram feitas algumas fotos deste crânio, que estão hoje no Museu Nacional, em Edimbrugo. Ele foi exibido em Glasgow, em 1938, e, desde então, não se sabe mais o paradeiro dele e nem dos outros ossos de Lilias que foram roubados. Estão, provavelmente, em alguma coleção ou museu, sem identificação apropriada.
Em 2014, um grupo de arqueólogos conseguiu localizar o túmulo de Lilias, com a ajuda de alguns documentos da época, que descreviam o local e a pedra.
Perto dali, existe também uma “pedra das bruxas”, que era usada para julgar e sentenciar acusadas. As mulheres eram amarradas na pedra e deixadas ali para que se afogassem quando a maré subisse. Se elas morressem, era porque eram inocentes. Mas se sobrevivessem, era a prova de que eram bruxas, e elas eram então tiradas dali e executadas.
Em 2017, artistas forenses reconstruíram o rosto de Lilias, utilizando as fotos de seu crânio como modelo.
Existe hoje uma grande campanha para dar a Lilias, cujo corpo continua ali, no lamaçal, sem o crânio, e sendo inundado pela água diariamente, um enterro decente. Nada consegue reparar a injustiça que foi feita com esta senhora inocente e com as outras milhares de pessoas, na maioria mulheres pobres e mais velhas. Mas conseguir tirar seus restos mortais dali, e colocá-los no cemitério, junto ao resto de sua família, seria um ato de restauração da dignidade de alguém que foi forte o suficiente para morrer sozinha, sem acusar outras mulheres (algo que era, quase sempre, inevitável).
Daiane
Obrigada por compartilha este conhecimento conosco! Muito bom!